Todos os refugiados sentem uma necessidade urgente de recursos materiais e sociais, mas os refugiados LGBTI+ precisam enfrentar um duplo estigma de xenofobia e discriminação homotransfóbica. No entanto, eles geralmente têm necessidades especiais, que atualmente não são reconhecidas. Até agora, as políticas de imigração do Brasil têm recebido bem as pessoas LGBTI+, mas ninguém sabe como será o futuro do novo governo.

Quantidade de refugiados LGBTI + em ascensão

Assim como a população global de pessoas obrigadas a imigrar cresceu notavelmente de 33,9 milhões em 1997 para 68,5 milhões em 2018, também aumentou o número de refugiados LGBTI +. Segundo as estatísticas, os pedidos de asilo no país com base na orientação sexual ou identidade de gênero aumentaram 400% entre 2009 e 2014. No entanto, é muito difícil obter estatísticas confiáveis ​​sobre o número de requerentes de asilo LGBTI +. A questão é sensível e a maioria das entidades não coletam dados sobre o fenômeno. O que se sabe, no entanto, é que os refugiados LGBTI + vêm de pelo menos 104 países em todo o mundo.

Isso não é de admirar, já que 78 dos 193 países ainda possuem legislação que criminaliza a homossexualidade e relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. As punições variam de uma série de chicotadas no Irã, dois meses de prisão na Argélia a prisão perpétua em Bangladesh. A sentença de morte ainda pode ser aplicada no Irã, Mauritânia, Arábia Saudita, Sudão e Iêmen. Além disso, em muitos outros países, normas, tradições e costumes sociais tornam a vida das pessoas LGBTI + igualmente impossível, mesmo que a lei não seja oficialmente contra elas. 

Segundo a Convenção de Genebra da ONU, a orientação sexual e a identidade de gênero constituem uma base sólida para reivindicar o estatuto de refugiado. Além disso, as Diretivas da União Europeia especificam que, juntamente com raça, religião e nacionalidade, a orientação sexual foi especificada como uma das categorias para as quais as pessoas podem estar em risco de perseguição.

Os refugiados LGBTI + enfrentam um duplo fardo

Seja qual for o motivo para procurar asilo, tomar a decisão de deixar tudo para trás e buscar segurança em um país estrangeiro é apenas uma das muitas lutas que os refugiados precisam enfrentar.

As pessoas LGBTI+ enfrentam problemas adicionais ao procurar refúgio. Eles podem frequentemente ser discriminados no sistema de refugiados, que é tendencioso para famílias heterossexuais. Nos abrigos, outros refugiados podem atacar seus compatriotas LGBTI+. Enquanto o grau de aceitação de pessoas LGBTI + está sendo relatado como muito baixo em todos os locais de acomodação, os menores graus de aceitação, em todos os entrevistados, foram observados em locais de acampamento. De fato, o medo de mais perseguições nos acampamentos leva alguns refugiados a fugir novamente. Fora dos campos, os refugiados LGBTI+ são especialmente vulneráveis ​​à corrupção, tráfico de pessoas e atividades ilegais, como trabalho sexual. Acima de tudo, a equipe geralmente não está preparada ou possui treinamento específico para lidar com reivindicações de orientação sexual e identidade de gênero. Embora a ACNUR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados) tenha começado a implementar diretrizes para proteger melhor os refugiados LGBTI+, essas melhorias demoram a atingir todo o sistema. O Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo oferece treinamento especializado sobre como lidar melhor com casos de asilo LGBTI +, mas esse treinamento não é obrigatório.

O treinamento voluntário não é suficiente, pois a falta de treinamento adequado pode levar a graves violações dos direitos humanos. Durante a entrevista, por exemplo, os solicitantes de asilo podem ser questionados sobre detalhes difíceis ou embaraçosos, ou fazer perguntas que demonstram falta de conhecimento de sua cultura de origem. Acima de tudo, exames médicos estão sendo usados ​​para determinar a orientação sexual de candidatos a asilo que estão abaixo dos padrões exigidos pela lei internacional de direitos humanos, como testes falométricos ou resposta física a imagens pornográficas. Os exames também se baseiam em estereótipos pesados. Desde 2012, as diretrizes do ACNUR proíbem questionamentos e práticas pessoais excessivamente detalhadas que violam a dignidade humana dos candidatos. No entanto, essas diretrizes não ajudam se não forem postas em prática.

Uma vez chegados ao país receptor, muitos refugiados LGBTI+ lutam para se adaptar. Alguns refugiados buscam uma senso de pertencimento em sua própria diáspora, mas essa opção geralmente não está disponível para eles. Nos países que os acolhem, os requerentes de asilo LGBTI+ têm um duplo estigma de xenofobia e discriminação homotransfóbica. Eles são encarados com suspeita pelas comunidades de origem e pelos novos vizinhos. Por exemplo, é improvável que um solicitante de asilo gay da Nigéria encontre apoio em sua comunidade de origem, mas muitas vezes ele é recebido com suspeita até pela comunidade gay no país anfitrião. O resultado é uma condição de isolamento que pode levar a problemas de saúde mental.

As duas faces do Brasil 

O Brasil tem uma longa tradição de oferecer abrigo e proteção àqueles que abandonam seu país de origem por razões políticas, raciais ou sociais. O Brasil também tem uma reputação de ser gay-friendly há muito tempo, sendo uma das primeiras nações a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a maior parada do Orgulho LGBT do mundo acontece em São Paulo. De fato, o Comitê Nacional de Refugiados do Brasil (CONARE) declarou que as minorias sexuais devem ser vistas como um grupo legítimo para fins de solicitação de refugiados com base na Convenção de 1951 sobre Refugiados e na Lei Brasileira de Refugiados. Desde maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que casais do mesmo sexo têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais de não serem discriminados.

Infelizmente isso é apenas uma pequena parte da história. As políticas públicas não têm sido suficientes ou eficazes na redução da violência homo e transfóbica no Brasil. A violência (incluindo assassinatos) continua aumentando, ocorrendo diariamente. Atualmente, o Brasil não possui uma lei sobre crimes de ódio nem uma instituição pública para monitorar crimes e violências homofóbicos e transfóbicos. Um projeto de lei que criminaliza a homofobia está pendente no Congresso Nacional há mais de dez anos.  Infelizmente, isso fomenta oportunidades de ataques homofóbicos e transfóbicos, sem consequências legais. Aqueles fora do mainstream heteronormativo estão se tornando alvos de grave intolerância.

Um estudo realizado pelo Grupo Gay da Bahia indica que há pelo menos um homicídio contra pessoas LGBTI+ a cada 27 horas no Brasil. O Brasil mata o maior número de pessoas LGBT no mundo. Esses fatos terríveis parecem indicar muitas contradições na identidade e nos valores da nação.

Dado o aumento da violência cometida contra pessoas LGBTI+ nos últimos anos, alguns brasileiros podem se sentir inseguros ao retornar ou temer serem perseguidos em seu país de origem por causa de sua identidade sexual e/ou de gênero. Os brasileiros LGBTI+ atualmente nos EUA que têm um medo bem fundamentado de voltar para casa podem buscar status de asilo e podem ficar, desde que provem que foram perseguidos por serem gays pelo governo do Brasil ou por pessoas que o governo é incapaz ou não quer controlar.

Programa Pana leva minorias em consideração

Marcos Regazzo é um especialista em refugiados que trabalha na Caritás, uma organização social da Igreja Católica. O Brasil recebe imigrantes de vários países, mas os mais significativos são Venezuela, Cuba, Haiti e Síria. Entre esses refugiados, também são conhecidos os refugiados LGBTI+. Segundo Regazzo, nem todos estão abertos a revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero. Enquanto os refugiados de Cuba e Venezuela (e principalmente mulheres transgêneros desses países) são muito abertos quanto a sua orientação e identidade, os refugiados da Síria não são.

Como atualmente existe uma grande crise humanitária na Venezuela, grande parte dos refugiados atuais são venezuelanos. O Brasil não é sua primeira opção, e eles geralmente preferem ir para a Colômbia: enquanto o Brasil tem cerca de 80.000 refugiados de Venezuelas, a Colômbia tem 4 milhões.

Uma quantidade considerável de refugiados venezuelanos no Brasil são indivíduos LGBTI+. Para indivíduos HIV positivos, faz sentido vir ao Brasil, pois o Brasil possui o programa de HIV mais forte da América Latina. O principal motivo, no entanto, é o programa de imigração do Brasil chamado Pana. O Pana visa ajudar comunidades minoritárias, como mulheres, pessoas LGBT e comunidades indígenas. O principal objetivo do programa Pana é ajudar os refugiados a se estabelecerem para fazer parte da sociedade, por exemplo, através da construção de comunidades e educação.

Também existem outros acontecimentos positivos. Manaus é a primeira cidade brasileira a ter um abrigo exclusivo para a população de refugiados LGBTI+. A Casa Miga é fundada pela organização sem fins lucrativos Manifesta LGBTI+ e apoiada pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados. A casa recebe imigrantes que sofrem assédio em outros locais e um de seus principais objetivos é ajudar as pessoas LGBTI+ a superar o duplo fardo que enfrentam. A localização do abrigo faz sentido, pois Manaus é uma parada dentro da rota que venezuelanos usam para procurar asilo ou residência temporária no Brasil. 

Conclusões

Quaisquer motivos que os levou a fugir e qualquer que seja o seu destino, todos os refugiados estão buscando a mesma coisa: segurança. Todos eles sentem uma falta urgente de recursos, sejam eles sociais ou materiais. No entanto, os indivíduos LGBTI+ costumam ter necessidades especiais, pois enfrentam o duplo fardo que outros refugiados não enfrentam. Essas necessidades precisam ser atendidas para que as políticas de imigração sejam bem-sucedidas. 

O Brasil tem sido bastante aberto Cultural e socialmente para receber refugiados LGBTI+. Em 2019, as políticas de imigração do Brasil ainda são afetadas pelo governo anterior. No entanto, a partir de 2020, não sabemos como o novo governo federal influenciará essas políticas e como será o futuro dos refugiados LGBT no Brasil.

Por Heidi Nummi – estudante de mestrado de Política Mundial, jornalista autônoma e ativista LGBT da Finlândia. Fez um estágio de 3 meses no Grupo Dignidade, em 2018-2019.

Traduzido por Anderson Costa – mestre em Ciências Humanas e Sociais, estrategista digital, ativista LGBT e voluntário de Comunicação do Grupo Dignidade.

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